Por Cláudia Rodrigues Rocha – Advogada
«A Administração Tributária emitiu o Ofício Circulado n.º 90026, de 07 de fevereiro de 2019 relativamente à renúncia à representação fiscal, com vista a clarificar e divulgar os procedimentos a adotar.
Nos termos do n.º 6 do art. 19.º da Lei Geral Tributária «os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, bem como os que, embora residentes no território nacional, se ausentem deste por período superior a seis meses, bem como as pessoas colectivas e outras entidades legalmente equiparadas que cessem a actividade, devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional».
O representante fiscal fica, desta forma, onerado com a responsabilidade do cumprimento de diversas obrigações acessórias do sujeito passivo propriamente dito, mas já não quanto à obrigação principal de pagamento de imposto.
Ora, nos termos do n.º 9 do art. 19.º da LGT «o representante pode renunciar à representação nos termos gerais, mediante comunicação escrita ao representado, enviada para a última morada deste».
Sendo que, de acordo com o n.º 10 «a renúncia torna-se eficaz relativamente à Autoridade Tributária e Aduaneira quando lhe for comunicada, devendo esta, no prazo de 90 dias a contar dessa comunicação, proceder às necessárias alterações, desde que tenha decorrido pelo menos um ano desde a nomeação ou tenha sido nomeado novo representante fiscal».
Neste contexto, a AT entende que a sobredita comunicação de renúncia deve ser feita por meio idóneo, considerando-se como tal o envio por carta registada com aviso de receção.
Todavia, no ponto 10 do recente Ofício Circulado, consta que o representante deverá dar conhecimento da sua renúncia à AT, devendo, para o efeito, apresentar prova do envio da comunicação de renúncia ao representado, através de cópia da mesma e dos originais do registo da carta e do aviso de receção comprovativo da ocorrência da sua receção.
Contudo, tal procedimento, poderá, na prática, criar sérios problemas e, em última instância, prender o representante à AT ad eternum. Senão vejamos.
Desde logo, o que a lei dispõe é que a renúncia deverá ser enviada para a última morada deste, ou seja, a nosso ver, para a última morada conhecida.
Todavia, existem várias situações em que a necessidade de eleger um representante fiscal surge, por exemplo, aquando do pedido de atribuição de número de identificação fiscal (NIF) por cidadãos não residentes.
Ora, o que sucede, não raras as vezes, é que, assim que lhes seja atribuído um NIF, não estabelecem mais contacto com os seus representantes, chegando mesmo a mudar de residência.
Contudo, a verdade é que, ainda assim, essa representação fiscal mantém-se perfeitamente válida, o que, na ótima do representante, poderá criar graves inconvenientes.
Ora, se o representante não conseguir estabelecer qualquer contato com o representado e este, inclusive, mudar de residência, sem nada, deverá aquele ficar eternamente preso à AT?
Cremos, francamente, que a resposta deverá ser negativa.
Todavia, o entendimento da AT é que a comunicação só será eficaz perante a mesma, se o renunciante fizer prova, entre outros, da efetiva receção da sua comunicação.
O que, em certos casos, como se viu, poderá ser absolutamente impraticável.
O mesmo se dirá se, por qualquer razão, o representado não proceder ao levantamento da carta de comunicação da renúncia, sendo a mesma devolvida.
Porém, o que o n.º 10 do art. 19.º da LGT dispõe é que a renúncia se torna eficaz relativamente AT quando lhe for comunicada, nada mais dispondo.
Além disso, não podemos olvidar que, segundo o disposto no n.º 3 do art. 9.º do Código Civil, «na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados».
Pelo que, salvo melhor opinião, cremos que não caberá à AT fixar um dever, através de uma interpretação, tão penoso para o representante como o de fazer prova da efetiva receção da renúncia por parte do representado.
Além disso, não obstante ser esse o entendimento da AT, também não resulta da lei que o meio de comunicação a utilizar deverá ser carta registada com aviso de receção.
É certo que a experiência nos diz que tal é um meio idóneo, porém, a lei apenas exige que a comunicação assuma forma escrita.
Por outro lado, sinal de que o legislador soube exprimir o seu pensamento é que, nos termos do n.º 1 do art. 130.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (CIRS), «o representante pode renunciar à representação nos termos gerais, mediante comunicação escrita ao representado, enviada para a última morada conhecida deste», sendo que, nos termos do n.º 2, «a renúncia torna-se eficaz relativamente à Autoridade Tributária e Aduaneira quando lhe for comunicada».
Aliás, note-se que no n.º 1 do art. 130.º-A o legislador refere-se mesmo à «última morada conhecida».
Assim, salvo mais douta opinião sobre o assunto, afigura-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento e disse precisamente o que pretendia.
Além de que, não deve ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
A AT, ao recorrer à interpretação que fez, além de presumir (erradamente, a nosso ver) que o legislador não soube exprimir o seu pensamento, adota um entendimento que não tem correspondência com a própria letra da lei.
Basta ver que, quer no art. 19.º da LGT, quer no art. 130.º do CIRS, o legislador adotou praticamente o mesmo discurso e, portanto, seria muito estranho que o legislador não tivesse expresso o seu pensamento corretamente não uma, mas duas vezes.
Além do mais, os ofícios circulados não são fonte de lei.
Na verdade, dispõe o n.º 1 do art. 1.º do CC que «são fontes imediatas do direito as leis e as normas corporativas», considerando-se «leis todas as disposições genéricas provindas dos órgãos estaduais competente».
Ora, os ofícios circulados emitidos pela AT não sei lei e, tanto assim é, que não publicados em Diário da República.
Desta forma, somos da opinião de que tais interpretações, embora possam ter eficácia interna nos serviços da AT, não têm a virtualidade de se imporem aos contribuintes, ou seja, não tem eficácia externa.
Os contribuintes não podem invocar ignorância ou má interpretação da lei para se eximirem do seu cumprimento, daí que a mesma careca de publicação, mas o mesmo já não se dirá no que respeita aos ofícios circulados – que não objeto de publicação oficial.
Não obstante, a verdade é que a AT aplicará estes procedimentos, pelo que, caso o contribuinte pretenda reclamar terá, muito provavelmente, de recorrer à via judicial.»