Por Cláudia Rodrigues Rocha – Advogada
«A Lei Orgânica n.º 2/2018, de 05 de julho veio introduzir alterações à Lei da Nacionalidade, alargando o acesso à nacionalidade originária e à naturalização às pessoas nascidas em território português, e está em vigor no nosso ordenamento jurídico desde o dia 06 de julho.
Vejamos, ainda que de forma sumária, as principais alterações em matéria de nacionalidade portuguesa.
1) ATRIBUIÇÃO DA NACIONALIDADE
A redação da al. f) do n.º 1 do art. 1.º foi alterada no sentido de reduzir-se o tempo de residência legal do progenitor em Portugal de 5 anos para 2 anos, de tal modo que são portugueses de origem os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros que não se encontrem ao serviço do respetivo Estado, que não declarem não querer ser portugueses, desde que, no momento do nascimento, um dos progenitores aqui resida legalmente há pelo menos dois anos.
Na senda desta alteração, foi adicionado o n.º 4 que refere que, a prova da residência legal referida na alínea f) do n.º 1 faz-se mediante a exibição do competente documento de identificação do pai ou da mãe no momento do registo, que ateste precisamente essa residência legal.
Assim, o progenitor que reside, em território português, há pelo menos 2 anos, tem de exibir o respetivo documento de identificação no momento do registo, sob pena de, não o fazendo nesse momento, ficar precludido a possibilidade, ao abrigo da alínea f), requerer-se a atribuição de nacionalidade portuguesa.
No entanto, alertamos para o facto de não ser possível adiantar muito mais em relação à alínea f), uma vez que, de acordo com o art. 4.º da referida Lei Orgânica n.º 2/2018, o Governo, no prazo de 30 dias a contar da publicação desta lei, introduzirá as necessárias alterações ao Regulamento da Lei da Nacionalidade.
2) ADOÇÃO
No que concerne à aquisição da nacionalidade, nomeadamente, por efeito da adoção, o art. 5.º também sofreu alterações, passando a consignar que o adotado por nacional português adquire a nacionalidade portuguesa (na anterior redação, fazia-se referência à adoção plena).
Em conformidade com esta alteração, o art. 29.º passou a dispor que os adotados por nacional português, antes da entrada em vigor da presente lei, podem adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração expressa de vontade.
3) AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE POR NATURALIZAÇÃO
No âmbito da aquisição da nacionalidade por naturalização, o art. 6.º também foi objeto de várias alterações.
Desde logo, para aquisição da nacionalidade por naturalização, reduziu-se o período mínimo de residência legal em território português de 6 para 5 anos, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 6.º.
Por outro lado, a al. c) do n.º 1 já não exige a não condenação por crime abstratamente punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, mas sim que o estrangeiro não tenha sido condenado, com trânsito em julgado, numa pena de prisão concreta igual ou superior a 3 anos.
A nosso ver, e salvo melhor opinião, é uma alteração louvável, uma vez que, nos termos da anterior redação, constituiria impedimento à aquisição de nacionalidade a condenação do interessado por um crime que, em abstrato, fosse punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos (por exemplo, o crime de furto, p. e p. pelo art. 203.º do Código Penal), ainda que, em concreto, o estrangeiro apenas tivesse sido condenado numa pena de multa ou pena de prisão suspensa na sua execução, criando-se, desta forma, situações injustas, desiguais, e que eram tratadas de forma igual.
Quanto aos menores, nascidos no território português, filhos de estrangeiros, o n.º 2, na sua atual redação, passou a exigir, não só, os requisitos das alíneas c) e d) do n.º 1, como o da alínea e), ou seja, não constituir perigo ou ameaça para a segurança ou defesa nacional, pelo seu envolvimento em atividade relacionadas com a prática de terrorismo).
Compreende-se tal alteração, considerando os recentes e recorrentes acontecimentos associados à prática de terrorismo.
No entanto, é ainda necessário que um dos progenitores aqui tenha residência, independentemente de título, pelo menos durante os 5 anos imediatamente anteriores ao pedido (na anterior redação exigia-se que um dos progenitores residisse, legalmente, há pelo menos 5 anos), o que significa que, para este fim, a lei já não exige a residência legal nos 5 anos imediatamente anteriores ao pedido.
Em alternativa, a al. b) do n.º 2) prevê a possibilidade de o menor ter concluído em Portugal, pelo menos, um ciclo do ensino básico ou o ensino secundário, ao passo que, na anterior redação, apenas relevava a conclusão do 1.º clico do ensino básico.
O atual n.º 3 do art. 6.º passou também a prever a possibilidade de conceder a nacionalidade portuguesar, por naturalização, a crianças ou jovens com menos de 18 anos, acolhidos em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, na sequência de medida de promoção e proteção definitiva aplicada em processo de promoção e proteção, independentemente da residência dos progenitores e da conclusão, ou não, de um clico do ensino básico ou secundário.
Trata-se de outra alteração que, na nossa ótica, também é elogiável, uma vez que se trata de um espetro de sujeitos frequentemente (e infelizmente) esquecidos, não o podendo ser numa matéria tão importante como um direito fundamental.
O n.º 5 estipula que o Governo concede a nacionalidade, por naturalização, com dispensa do requisito estabelecido na alínea b) do n.º 1, aos indivíduos que, cumulativamente, (i) tenham nascido em território português, (ii) sejam filhos de estrangeiro que aqui tivesse residência, independentemente de título, ao tempo do seu nascimento e (iii) aqui residam, independentemente de título, há pelo menos 5 anos.
Os n.º 6 e 7 mantiveram a sua redação, porém, acrescentados os n.º 8, 9 e 10.
Ora, dispõe o novo n.º 8 que o Governo pode conceder a nacionalidade, por naturalização, com dispensa do requisito estabelecido na alínea b) do n.º 1, aos indivíduos que sejam ascendentes de cidadãos portugueses originários, aqui tenham residência, independentemente de título, há pelo menos 5 anos imediatamente anteriores ao pedido e desde que a ascendência tenha sido estabelecida no momento do nascimento do cidadão português.
Já o n.º 9 estabelece que o conhecimento da língua portuguesa referido na alínea c) do n.º 1 presume-se existir para os requerentes que sejam naturais e nacionais de países de língua oficial portuguesa, o que, a nosso ver, se compreende.
Por fim, o n.º 10 refere que a prova da inexistência de condenação, com trânsito em julgado da sentença, com pena de prisão igual ou superior a 3 anos referida na alínea d) do n.º 1 faz-se mediante a exibição de certificados de registo criminal emitidos (i) pelos serviços competentes portugueses e/ou (ii) pelos serviços competentes do país do nascimento, do país da nacionalidade e dos países onde tenha tido residência, desde que neles tenha tido residência após completar a idade de imputabilidade penal.
4) OPOSIÇÃO À AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE
O art. 9.º também foi objeto de alteração, no entanto, no que diz respeito ao n.º 1, trata-se apenas de uma mera adaptação em conformidade com a alteração efetuada ao requisito da al. d) do n.º 1 do art. 6.º, de tal forma que constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa por efeito da vontade a condenação, com trânsito em julgado da sentença, com pena de prisão igual ou superior a 3 anos (e já não a pena abstratamente aplicável).
O n.º 2, por outro lado, prevê uma novidade, ou seja, a oposição à aquisição de nacionalidade com fundamento na inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional não se aplica às situações de aquisição de nacionalidade em caso de casamento ou união de facto quando existam filhos comuns do casal com nacionalidade portuguesa.
Entendeu, assim, o legislador que o vínculo estável e durador baseado no casamento ou união de facto, do qual resultem filhos com nacionalidade portuguesa constitui prova bastante da efetiva de ligação à comunidade nacional, devendo ser relevado para efeitos de aquisição da nacionalidade.
5) NULIDADE DO ATO E CONSOLIDAÇÃO DA NACIONALIDADE
O art. 12.º-A foi aditado pela Lei Orgânica n.º 2/2018 e prevê a nulidade do ato que determine a atribuição, aquisição ou perda da nacionalidade portuguesa com fundamento em documentos falsos ou certificativos de factos inverídicos ou inexistentes, ou ainda em falsas declarações.
Trata-se de uma nulidade administrativa, nos termos do art. 161.º e segs. do CPA, e que terá de ser declarada pelo autor do ato através de despacho de declaração de nulidade, com o respeito e cumprimento pelos restantes princípios da atividade administrativa, como por exemplo, o direito de audiência prévia.
Trata-se de um modo expediente que irá permitir à Administração Pública um controlo, com consequências jurídicas, de situações de fraude na obtenção da nacionalidade.
Contudo, esta disposição não se aplica aos casos em que, a declaração de nulidade, resulta na apatridia do interessado, uma vez que o nosso legislador tem vindo a considerar o vínculo da nacionalidade um direito fundamental do indivíduo.
Do mesmo modo, a Lei Orgânica n.º 2/2018 também aditou o art. 12.º-B que prevê uma consolidação da nacionalidade.
Assim, a titularidade de boa-fé de nacionalidade portuguesa originária ou adquirida durante, pelo menos, 10 anos é causa de consolidação da nacionalidade, ainda que o ato ou facto de que resulte a sua atribuição ou aquisição seja contestado.
Nos casos de atribuição da nacionalidade (ao abrigo do art. 1.º), este prazo conta-se a partir da data do registo de nascimento, se a identificação como cidadão português tiver na sua origem o respetivo registo, ou a partir da data da emissão do primeiro documento de identificação como cidadão nacional, se a identificação como cidadão português derivar do documento emitido.
Nos casos de aquisição de nacionalidade (art. 2.º e segs)., o prazo conta-se da seguinte forma:
a) No caso de aquisição pela adoção ou naturalização, conta-se da data do registo da nacionalidade;
b) Nos casos de aquisição por efeito da lei, conta-se da data do facto de que dependa a aquisição;
c) Nos demais casos, conta-se da data de emissão do primeiro documento de identificação.
Esta disposição é, ainda, aplicável aos processos pendentes à data da entrada em vigor da presente lei, por força do disposto no n.º 1 do art. 5.º da Lei Orgânica n.º 2/2018.
Note-se, no entanto, que um dos requisitos é a titularidade da nacionalidade de boa fé.
6) OUTRAS ALTERAÇÕES
O art. 15.º também sofreu um aditamento, esclarecendo o seu n.º 3 que para os efeitos de contagem de prazos de residência legal previstos na lei da nacionalidade, considera-se a soma de todos os períodos de residência legal em território nacional, seguidos ou interpolados, desde que os mesmos tenham decorrido num intervalo máximo de 15 anos.
O n.º 4, em conformidade com a possibilidade de aquisição de nacionalidade prevista no nº 3 do art. 6.º, estabelece que se consideram como residindo legalmente no território português as crianças e jovens filhos de estrangeiros e acolhidos em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, na sequência de um processo de promoção e proteção.
Por último, foi alterado o art. 30.º, esclarecendo agora o seu n.º 1 que a mulher que, nos termos da Lei n.º 2098, de 29 de julho de 1959, e legislação precedente, tenha perdido a nacionalidade portuguesa por efeito do casamento, adquire-a i) desde que não tenha sido lavrado o registo definitivo da perda da nacionalidade, exceto se declarar que não quer adquirir a nacionalidade portuguesa ou ii) mediante declaração, quando tenha sido lavrado o registo definitivo da perda da nacionalidade.
O n.º 2 prevê que, sem prejuízo da validade das relações jurídicas anteriormente estabelecidas com base em outra nacionalidade, aquisição da nacionalidade portuguesa nos termos do n.º 1, produz efeitos desde a data do casamento, independentemente da data em que o facto ingressou no registo civil português.
A redação dada ao art. 30.º pela Lei Orgânica n.º 2/2018 é aplicável aos processos pendentes à data da entrada em vigor da mesma (vide art. 5.º).
CONCLUSÃO
Ora, chegados aqui, podemos concluir que a Lei Orgânica n.º 2/2018 expressa a intenção do legislador em reforçar o reconhecimento do vínculo da nacionalidade enquanto direito fundamental, procurando, também, dar primazia à vontade dos interessados.
Por outro lado, procura-se desburocratizar os respetivos processos, permitindo-se a recolha de elementos probatórios por outras vias mais simples e, igualmente, viáveis.
No entanto, sublinhamos ainda está em falta a respetiva regulamentação, pelo que teremos de aguardar pela clarificação e concretização de algumas disposições introduzidas pela Lei Orgânica n.º 2/2018.