«I – A responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administração da justiça exige, nos termos conjugados do disposto no art. 22.º da CRP, e arts. 7.º, 9.º, 10.º e 12.º da Lei n.º 67/2007, de 31-12, que se demonstre a situação de erro judiciário ou de acção ou omissão processual em desacordo com o standard adequado de garantia da tutela jurisdicional efectiva, os danos e o nexo de causalidade.
II – A fuga para o Brasil de um cidadão brasileiro, sujeito a medida de coação de proibição de se ausentar do território nacional e condenado a pena de prisão efectiva no âmbito do processo crime, viabilizada pela falta de comunicação ao SEF daquela medida – arts. 200.º, n.º 3, do CPP e D.L. n.º 252/2000, de 16-10, traduz um mau funcionamento do sistema de justiça.
III – No âmbito do processo penal, os autores, vítimas por assumirem a qualidade de familiares de uma pessoa cuja morte foi directamente causada por um crime – art. 67.º-A, n.º 1, do CPP, não têm direito à punição do agente do crime.
IV – A admissão dos autores como assistentes, a aplicação ao arguido da medida de se ausentar do território nacional, a abertura de instrução e a prolação de decisão instrutória de pronúncia, a realização do julgamento e a condenação do arguido em pena de prisão efectiva com manutenção daquela medida, em processo crime, levou o Estado a criar nos autores a confiança de que o arguido não se ausentaria do território nacional e que a decisão condenatória seria cumprida.
V – Ao possibilitar a fuga do condenado pelo mau funcionamento da justiça, o Estado violou, de forma grave, o princípio da confiança a um processo justo e equitativo, e incorreu na obrigação de indemnizar os autores pelos danos causados.
VI – Considerando que toda a situação descrita causou nos autores (i) perplexidade, surpresa profundo mal-estar, choque e revolta com a fuga do único responsável condenado pelo homicídio do seu filho, (ii) angústia, desgosto e profundo pesar com a liberdade e ausência em parte incerta do condenado, (iii) receio de que o condenado nunca venha a cumprir pena, não respondendo pelo acto cometido, sentimentos que os deprimem, os desmotivam, os impedem de recuperar a normalidade da sua vida e de encerrar a situação da perda que sofreram, é justa e ponderada a indemnização de 20.000 euros, acrescida de juros, para compensar os danos não patrimoniais por eles sofridos.»
Acórdão integral – Supremo Tribunal de Justiça de 10.10.2017