«I – A fraude à lei traduz a ideia de um comportamento que, mantendo a aparência de conformidade com a lei, obtém algo que se entende ser proibido por ela.
II – A fraude à lei, em face da inexistência no nosso ordenamento jurídico de regra de índole geral que trate o conceito (para lá das referências, entre outras, nos arts. 21.º, n.º 2, 330.º, n.º 1, 418.º e 2067.º todos do CC), obtém-se pela via da interpretação da lei e do negócio jurídico no sentido de as situações criadas para evitar a aplicação de regras que seriam aplicáveis serem irrelevantes/ineficazes.
III – Na verificação da existência de fraude à lei exige-se, como requisitos, a regra jurídica que é objeto de fraude (a norma a cujo imperativo se procura escapar); a regra jurídica a cuja proteção se acolhe o fraudante; a atividade fraudatória e resultado que a lei proíbe, pela qual o fraudante procurou e obteve a modelação ilícita de uma situação coberta por esta segunda regra, não sendo exigível a alegação e prova de intenção fraudatória.
IV – Existe fraude à lei quando para evitar o cumprimento das exigências legais estabelecidas no regime do direito real de habitação periódica e no das cláusulas contratuais gerais, a ré celebra com os autores um contrato de adesão a uma associação e em que, como direito dos associados por força dessa adesão, passa a ser concedido o direito de utilização de determinadas suites em regime em tudo semelhante ao fixado no RGHP.
V – À fraude à lei, que determina por regra a nulidade total do contrato, não é aplicável o regime da redução do negócio jurídico previsto no art. 292.º do CC que tem como exigências, para lá de ter de ser solicitada a nulidade (ou a anulação) parcial do contrato e existir vontade das partes no tocante ao ponto de redução, a invocação e prova por parte do interessado na redução dos factos de onde decorra a natureza meramente parcial da invalidade.»
Acórdão Integral do Supremo Tribunal de Justiça de 17.11.2021