«I. Vai contra as regras da lógica, do normal acontecer e da experiência comum, alguém subir a um telhado de prédio (oficina/armazém) que pertence a outra pessoa, através de umas escadas e, o respetivo proprietário não poder agir, como a aqui arguida fez, nas circunstâncias assinaladas na sentença da 1ª instância e, apesar das explicações que foram dadas na decisão sobre a matéria de facto dessa sentença (que são plausíveis e permitiam a solução que foi dada, de forma fundamentada), venha de forma inexplicável a ser condenada por um crime de sequestro na Relação, mesmo que em pena de admoestação.
II. Para além da apontada licitude da conduta da arguida que sobressai do texto da sentença da 1.ª instância (uma vez que a forma como agiu, incluindo quando retirou as escadas e chamou a GNR, revela estar a atuar em legítima defesa da sua propriedade/património – art. 337.º, n.º 1, do CC aplicável por força do art. 31.º, n.º 1, do CP – que fora invadida, sem o seu consentimento, pelo assistente, que subira ao telhado daquela oficina/armazém, por essas escadas), também dela podemos perceber que a mera restrição de movimentos a que o assistente ficou sujeito, em consequência da conduta da arguida, não é suficiente para integrar o crime de sequestro, o qual exige uma privação total da liberdade ambulatória, que no caso ficou por demonstrar.
III. A privação total da liberdade ambulatória, da liberdade de movimentos é que carateriza o crime de sequestro (caso em que a vítima, por exemplo, é colocada numa situação da qual não pode livrar-se por si só, como nem sequer pode pedir e obter imediatamente auxílio), o que não sucedeu no caso dos autos (como resulta da motivação da sentença da 1ª instância, não só o assistente nunca pediu para lhe colocarem a escada para sair do telhado do imóvel que pertencia à arguida/recorrente, tal como podia ter feito, como da matéria apurada não resulta que estivesse impossibilitado de se deslocar de um lado para o outro, sendo certo ainda que nada se apurou que dali não pudesse sair por outro local).
IV. Portanto, analisando o texto da decisão sob recurso é manifesto e grosseiro o erro em que incorreu a Relação ao julgar verificados os vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP (com o fim de dar como provada matéria de facto que, afinal, nem era suficiente para integrar o crime de sequestro, pelo qual veio a condenar a arguida), os quais não ocorrem, considerando-se definitivamente fixada a decisão proferida sobre a matéria de facto pela 1ª instância, a qual se mostra devidamente sustentada e fundamentada, impondo-se a revogação do acórdão da Relação, com a consequente absolvição da arguida/recorrente e repristinação da sentença da 1ª instância.»
Acórdão integral do Supremo Tribunal de Justiça de 31.10.2024