«I – Tem sido entendido, mormente pelo Tribunal Constitucional, que a amnistia ou o perdão genérico não são um mero acto de clemência, antes têm de assentar nalguma racionalidade.
II – Tratando-se da definição de direitos individuais perante o Estado, que pela amnistia, como pelo perdão, são dilatados, tal como são comprimidos pela aplicação das sanções, a delimitação dos factos abrangidos pela lei de amnistia ou perdão genérico tem de ser feita, racionalmente, segundo critérios suscetíveis de generalização, em função de circunstâncias não arbitrárias do ponto de vista do Estado de Direito, sob pena de violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição.
III – A Jornada Mundial da Juventude é um evento religioso instituído pelo Papa João Paulo II em 1985, que reúne milhões de católicos de todo o mundo, sobretudo jovens, e daí que a delimitação do âmbito de aplicação da amnistia e do perdão genérico também pela idade das pessoas abrangidas, até aos 30 anos de idade, o que tem alguma correspondência com a idade dos destinatários principais das ditas jornadas, não seja destituída de qualquer racionalidade.
IV – É certo que não se vislumbra qualquer relação da concessão desta amnistia com quaisquer das tarefas de política criminal que devem caber ao direito de graça, designadamente a intervenção como “válvula de segurança» do sistema”, evitando a severidade da lei mediante circunstâncias supervenientes nas relações comunitárias ou da situação pessoal do agraciado, mas a verdade é que tem sido “tradicional” entre nós a publicação de leis de amnistia para efeitos de comemoração de eventos festivos ou de visitas ao país de personalidades importantes.
V – A sobredita delimitação pela idade da aplicação da amnistia e perdão da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, não se afigura decisivamente irracional e arbitrária, tendo em conta o evento que se comemora destinado em primeiro lugar à juventude católica, mas também aberto a pessoas não católicas e não jovens, pelo que tal delimitação está dentro da margem de manobra do legislador, não ferindo de forma decisiva o princípio da igualdade.»
Acórdão Integral do Tribunal da Relação do Porto de 5.1.2024