«I – As consequências do abuso do direito (cf. art. 334.º do CC) não podem deixar de ser ajustadas às especificidades de cada caso concreto, operando, com frequência, como exceção perentória.
II – Estando demonstrado que, ao longo de anos, a Ré, filha do primitivo arrendatário, passou a residir sozinha no locado, sem oposição dos senhorios, tendo efetuado o pagamento mensal da renda aos Autores conforme instruções que estes lhe deram, bem como realizado, a suas expensas, no ano 2000, um conjunto de obras de vulto, então no valor de 8.708,21 €, nada indicando que lhe fosse imputável a falta de redução a escrito de novo contrato de arrendamento ou de acordo de modificação do existente, impõe-se reconhecer que, a dada altura, tomou a posição de coarrendatária, transformando-se uma situação de arrendamento singular em arrendamento plural.
III – Considerar a Ré como uma mera ocupante de facto configuraria uma inadmissível situação de venire contra factum proprium, pois, mais do que inércia ao longo de um considerável período de tempo, há um conjunto de factos próprios dos Autores dos quais resulta terem, pelo menos, reconhecido a Ré como sendo (co)arrendatária do locado.
IV – Sendo de considerar que o pedido reconvencional de condenação dos Autores-reconvindos no pagamento à Ré-reconvinte da quantia que esta despendeu nas aludidas obras foi formulado, na linha do previsto no art. 29.º da Lei n.º 6/2006, para a eventualidade de procedência (ainda que parcial) da ação, ou seja, na hipótese de ser declarada/reconhecida a cessação do contrato de arrendamento, fosse por resolução ou caducidade, vindo a improceder a ação, impõe-se concluir pela absolvição dos Autores-reconvindos daquele pedido.»
Acórdão Integral do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.07.2023