«I – A declaração amigável de acidente rodoviário é uma mera declaração dirigida às seguradoras pelos intervenientes no sinistro, mediante a qual lhes participam o evento e as características dele, não se destinando, logo à partida, de modo algum, a provar, nem a terceiros nem àquelas entidades, os termos e condições da produção do acidente.
II – Deste modo, o preenchimento do crime de falsificação de documento tem de afastar-se, logo no plano objectivo, porque a declaração corporizada no escrito em causa não corresponde ao conceito legal de documento, por ser inidóneo a provar facto juridicamente relevante.
III – A referência normativa “outra qualidade” integrante do tipo de crime de falsas declarações compreende, para além de dados como a filiação, a naturalidade, a nacionalidade, a data de nascimento, a profissão, a residência e o local de trabalho ou similares, outros elementos identificativos a que a lei atribui efeitos jurídicos, nomeadamente cargos, funções, títulos, categorias ou meras condições como a de proprietário, de possuidor, representante legal ou voluntário e a de condutor de um veículo.
IV – O arguido, ao declarar, com falsidade, a órgão de polícia criminal, sobre a identidade de quem conduzia um veículo automóvel interveniente em acidente de viação, afirmando ser terceira pessoa quando esse acto era executado pelo próprio, incorreu, como autor material, na prática do crime p. e p. no artigo 348.º-A do CP.
V – A perda de vantagens de facto ilícito típico não é uma pena acessória, mas uma medida sancionatória análoga à medida de segurança.
VI – A noção de vantagem a que alude o art. 111.º, n.ºs 2 e 4, do CP (redacção da Lei 32/2010, de 02/09), tendo o sentido de um incremento patrimonial efectivo, envolve duas implicações: (i) que seja tomado em conta o património do agente do crime; e (ii) que haja um real aumento desse património.
VI – Assim, a perda a favor do Estado prevista naquela norma só é juridicamente permitida quanto tenha havido em sentido próprio uma vantagem e, nessa medida, não só exista um mínimo de utilidade nessa perda, como, sobretudo, não resultem prejudicados os direitos do ofendido.
VII – Quando o agente (ou terceiro beneficiado) vê o seu património incrementado apenas com o valor subtraído à vítima e é ou possa vir a ser condenado, a título de indemnização civil, a restituir-lho, não existe (não sobra) qualquer vantagem.»
Acórdão Integral do Tribunal da Relação de Coimbra de 11.01.2023