«I – Estando em causa elementos da saúde e do sigiloso processo clínico do pai do requerente, bem como o segredo médico, o artigo 7º/4 da Lei nº 26/2016 exige um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido que fundamente o acesso (a vontade de acesso).
II – Aquele segredo e aquele sigilo visam apenas proteger o doente e não o médico ou o serviço de saúde. Pelo que a obtenção por terceiro da informação sobre a saúde alheia (dados pessoais alheios) pode nem sequer ser colidente, in concreto, com tais segredo e sigilo; nem com outros direitos do doente. Tudo depende do fim em causa e demais circunstâncias do caso concreto.
III – No caso presente, conclui-se que a informação pretendida pelo requerente sobre o seu pai ((I) «registos médicos», (II) «registos de enfermagem», (III) «data e hora de registo de entrada do Senhor Dr. João Tavares, nas instalações da Requerida, no dia 25/08/16, e (IV) data em que a intervenção cirúrgica do Requerido teve início e fim» e (V) «cópia das fotografias que foram enviadas pela Requerida, ao Senhor Dr. …, bem como (VI) indicação da data e pessoa que as obteve, e (VII) comprovativo do dia, hora e meio (e-mail, telemóvel ou fax) em que as mesmas foram enviadas ao profissional indicado»), se destina a o requerente, como filho de alguém doente e incapacitado (em geral), poder ajuizar e acionar ou não acionar as eventuais responsabilidades civil, disciplinar ou criminal do caso. Independentemente do M.P., da O.M. ou de outrem: é um direito/dever do requerente denunciar crimes públicos e ilícitos disciplinares (“a favor” de seu pai) – um interesse com um peso e afetação elevados; é um direito/dever do requerente denunciar crimes públicos e ilícitos disciplinares (“a favor” de seu pai) – um interesse com um peso e afetação elevados; e é ainda um direito dele o de intentar ações de responsabilidade civil por causa do ocorrido com o seu pai e dos danos que ele, filho, tenha sofrido (sem prejuízo do que será uma ação como representante ou tutor de seu pai) – um interesse e afetação com um peso moderado ou médio.
IV – Há, pois, um interesse compósito direto (imediato, atual), pessoal (próprio, seu), legítimo (não ilícito) e constitucionalmente protegido – previsto nos artigos 22º e 268º/2/4 na CRP – que fundamenta o acesso (a vontade de acesso), e que não afronta relevantemente o direito previsto no artigo 26º/1 da CRP; antes pelo contrário.
V – Tal interesse compósito visa aqui salvaguardar outros direitos fundamentais, com mais peso concreto do que o previsto no artigo 26º/1, quais sejam (i) o direito fundamental de responsabilizar civilmente terceiros por danos próprios sofridos (artigos 483º ss do CC) e (ii) o direito de dar notícia para procedimentos disciplinares ou criminais em defesa ou a favor de seu pai. E, assim, a afetação do artigo 26º/1 é baixa.
VI – O mesmo é de dizer quanto ao sigilo do processo clínico do pai do requerente e ao segredo médico, obrigação deontológica. Atentos os seus fins.
VII – Para efeitos de isenção de custas processusais, cumprir o artigo 268º/2 da CRP e a Lei nº 26/2016 não faz parte dos fins estatutários de ninguém ou das atribuições legais de qualquer entidade»
Acórdão Integral do Tribunal Central Administrativo do Sul de 31.01.2018