«1.–Os contratos de transporte de mercadorias por mar são disciplinados pela Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras em Matéria de Conhecimento de Carga, assinada em Bruxelas em 25/8/24, a que Portugal aderiu por Carta de 5/12/31, publicada no DG, I Série, de 2/6/32, e que foi tornada direito interno pelo DL 37.748, de 01/02/50, e, subsidiariamente, pelas disposições do Decreto-Lei nº 352/86, de 21/10.
2.–Conforme decorre do artigo 1º Decreto-Lei nº 352/86, de 21/10, o contrato de transporte de mercadorias por mar é aquele em que uma das partes se obriga em relação à outra a transportar determinada mercadoria de um ponto para outro diverso, mediante uma retribuição pecuniária, denominada frete.
3.–O contrato de transporte de mercadorias por mar, de acordo com o artigo 3º do DL 352/86, de 21/10, é um contrato formal ou solene, sujeito a escrito particular, denominado conhecimento de embarque ou conhecimento de carga ( bill of lading).
4.–Desde a introdução de contentorização nos transportes, nomeadamente marítimos, os contentores podem pertencer tanto ao próprio armador, o qual constitui parte ou acessório do veículo transportador, ou mesmo pode ser arrendado ou adquirido pelos próprios interessados, para que possam ser utilizados no transporte de suas cargas.
5.–Pertencendo ou não ao armador, o contentor deve ser retirado após a conclusão do transporte, devendo ser devolvido no prazo estipulado, sob pena de incorrer no pagamento de sobrestadia (demurrage), devida justamente pelo atraso na devolução do equipamento.
6.–A expressão “demurrage” vem a ser consagrada no ramo de comércio internacional para designar a remuneração devida ao transportador marítimo pela continuação da utilização de contentores e a não devolução desse equipamento no prazo de utilização estipulado, e ao qual se aplicam as regras do contrato de aluguer.
7.–A cláusula penal resulta de um acordo das partes, no âmbito do princípio da liberdade contratual, e tem como finalidade a fixação antecipada de uma indemnização que o devedor deverá satisfazer ao credor em situações de inadimplemento, cumprimento a destempo ou cumprimento defeituoso da obrigação, com intuito de se evitarem futuras dúvidas e litígios entre as partes, quanto à determinação do montante da indemnização.
8.–Na prática, a cláusula penal desempenha uma dupla função: a função ressarcidora e a função coercitiva. Na primeira, a cláusula penal prevê antecipadamente o ressarcimento do dano resultante de eventual não cumprimento ou cumprimento inexacto; por sua vez, a segunda função (a coercitiva) constitui um poderoso meio de pressão de que o credor se serve para determinar o seu devedor a cumprir a obrigação a que se vinculou.
9.–No exercício do seu equitativo e excepcional poder moderador, o juiz só goza da faculdade de reduzir, a cláusula penal que se revele extraordinária ou, manifestamente excessiva, e não já a cláusula excessiva, sendo que ela corresponde a um acordo firmado pelas partes, que, presumivelmente, não deixaram de ponderar as suas vantagens e os seus inconvenientes.
10.–Nos recursos ordinários está em causa a reponderação da decisão recorrida, encontrando-se a demanda no tribunal superior circunscrita às questões que já tenham sido submetidas ao tribunal de categoria inferior;
11.–Só excepcionalmente pode o tribunal superior conhecer de questões que não tenham sido suscitadas e apreciadas no tribunal inferior, designadamente se se tratar de questões que o tribunal possa conhecer “ex officio”.
12.–A redução de uma cláusula penal não pode ser efectuada oficiosamente, pois depende de pedido formulado pelo devedor, com alegação e prova de factos pertinentes, traduzindo-se a sua invocação pela primeira vez, em sede de recurso, numa questão nova que não pode ser conhecida pelo tribunal de recurso.»
Acórdão Integral de 19.10.2017